Por que ler os clássicos – os clássicos na perspectiva de Ítalo Calvino
Por que ler os clássicos – os
clássicos na perspectiva de Ítalo Calvino
Alguns conceitos e
algumas palavras parecem se elevar acima do nosso entendimento, tendo em vista
a complexidade e as dificuldades de se defini-los. Esse é o caso do conceito de “clássico”
quando relacionado ao mundo da literatura. Podemos argumentar que não existe
nada de difícil em entender o conceito de clássico, com afirmações como: “é um
livro que marcou época”, “foi um livro muito lido e em diversas partes do
mundo”, “é um livro antigo que descreve de forma ímpar uma determinada época”.
Afirmações como essas não devem ser descartadas ou tidas como erradas para
identificarmos os clássicos da literatura, mas só demonstram a amplitude desse
conceito que foi brilhantemente explorado pelo escritor italiano Ítalo Calvino no seu ensaio Por que ler os
clássicos[1].
Calvino realiza um diligente esforço para
tentar caracterizar as obras literárias consideradas clássicas. Nesse intuito,
reúne quatorze tentativas de definição elencadas abaixo que servem como guia
para explorar a especificidade dos clássicos. Curto e direto, as tentativas de
apresentar as características das obras clássicas possibilita uma conversa
direta do autor com o leitor, tendo em vista que o mesmo não lança mão de argumentos
e conceitos técnicos, mas a experiência de grande parte de quem se interessa e
se dedica pela leitura de livros. A primeira tentativa de definição, por
exemplo, mostra a hipocrisia de algumas pessoas ao dizer que está relendo um
livro considerado clássico, mesmo que nunca tenha lido anteriormente. O autor
aponta, portanto, a importância e o reconhecimento social que os clássicos
possuem, o que para alguns constitui vergonha dizer que nunca leu. Mas Calvino
não se limita a apontar a insinceridade que algumas pessoas lançam mão a serem questionadas sobre a leitura
de um livro clássico. Na segunda
tentativa de definição, o autor aponta que a importância da leitura de um clássico independe
da idade, tendo em vista que a leitura dos clássicos constitui ganhos afetivos, intelectuais e
reflexivos em qualquer momento da vida que se tenha realizado a leitura, principalmente em fases mais maduras da vida.
Ítalo Calvino ao mesmo
tempo em que nos apresenta uma bela caracterização dos clássicos, traz
argumentos críticos e incisivos sobre o modelo de ensino que privilegia o conhecimento
de um autor e sua obra através de comentadores ou livros de referência em
detrimento de assegurar o acesso da leitura dos textos originais. O autor
aponta que a escola ou o ambiente universitário deve fornecer instrumentos para
que o seu público acesse e escolha os seus livros clássicos, algo limitado pela
escassa leitura de obras clássicas. Nesse sentido, mais do que a formação de um
panteão de clássicos legitimado institucionalmente, Calvino aponta a
importância do acesso e da liberdade de escolha, possibilidades que ficam
difíceis se não nos atentarmos à disponibilização e a leitura direta dos
clássicos.
O autor ainda aponta a
ligação dos clássicos com o momento presente. Nesse sentido, um clássico
possibilita fazer uma leitura não apenas do passado, mas também do presente. Para
o autor, é importante que mesmo diante do barulho e da intensa dinâmica da vida
contemporânea, consigamos equilibrar com a leitura dos clássicos.
Apesar disso, é preciso
tentar equilibrar a busca e leitura dos clássicos com a descoberta a leitura de
novas obras. Afinal de contas, é a partir dos movimentos sociais, políticos e culturais
contemporâneos e que atravessam nossa experiência como leitores que podemos
realizar uma leitura e uma avaliação crítica dos clássicos e, dessa forma,
decidir qual é ou quais são os nossos clássicos. Livros que muitas vezes constituem
parâmetros para pensarmos nossas experiências individuais, mas também coletivas.
Abaixo está elencado as
definições dos clássicos proposta por Calvino.
1. Os clássicos são aqueles livros dos quais, em geral, se ouve dizer: “Estou lendo...” e nunca “Estou lendo...”.
2.
Dizem-se clássicos aqueles livros que constituem uma riqueza para quem os
tenha lido e amado; mas constituem uma riqueza não menor para quem se reserva a
sorte de lê-los pela primeira vez nas melhores condições para apreciá-los.
3.
Os clássicos são livros que exercem uma influência particular quando se
impõem como inesquecíveis e também quando se ocultam nas dobras da memória,
mimetizando-se como inconsciente coletivo ou individual.
4.
Toda leitura de um clássico é uma leitura de descoberta como a primeira.
5.
Toda a primeira leitura de um clássico é na realidade uma releitura.
6.
Um clássico é um livro que nunca terminou de dizer aquilo que tinha para
dizer.
7.
Os clássicos são aqueles livros que chegam até nós trazendo consigo as
marcas das leituras que precederam a nossa e atrás de si os traços que deixaram
na cultura ou nas culturas que atravessaram (ou mais simplesmente na linguagem
ou nos costumes).
8.
Um clássico é uma obra que provoca incessantemente uma nuvem de discursos
críticos sobre si, mas continuamente a repele para longe.
9.
Os clássicos são livros que, quanto mais pensamos conhecer por ouvir
dizer, quando são lidos de fato mais se revelam novos, inesperados, inéditos.
10. Chama-se de clássico um livro que se
configura como equivalente do universo, à semelhança dos antigos talismãs.
11. O “seu” clássico é aquele que não
pode ser lhe indiferente e serve para definir a você próprio em relação e
talvez em contraste com ele.
12. Um clássico é um livro que vem antes
de outros clássicos; mas quem leu antes os outros e depois lê aquele reconhece
logo o seu lugar na genealogia.
13. É clássico aquilo que tende a relegar
as atualidades à posição de barulho de fundo, mas ao mesmo tempo não pode
prescindir desse barulho de fundo.
14. É clássico aquilo que persiste como
rumor mesmo onde predomina a atualidade mais incompatível.
[1] O
ensaio Por que ler os clássicos foi escrito em 1981 e foi publicado numa
coletânea de ensaios do autor que leva o mesmo nome, onde o mesmo explora
diferentes autores e obras consideradas clássicas.
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